quarta-feira, outubro 17, 2007

"Ruge de pétala nas belas, ruge de vergonha nas feias"

Hoje estou um pouco sem tempo mas quero postar um texto da escritora Andrea del Fuego, que esteve ontem na Unipaulistana (onde estudo) , num bate-papo maravilhoso sobre literatura. Foi muito bom! Pra quem ainda não a conhece, este foi o primeiro que lí da autora.

Avon
Andréa del Fuego

Meu nome é Agenor Sampaio, vou iniciar a palestra de forma clara e direta. Essa rede de cosméticos em que vocês todas trabalham como consultoras de beleza e que eu, muito satisfeito, presido, se fez existir por conta do que explanarei.
Gostaria que as senhoras do fundo ficassem em silêncio, obrigado. Abro os trabalhos dizendo que a mulher bonita é mais amada que a feia. Já viram um homem diante de uma bela fêmea? É a falência de toda defesa. Não irão vê-lo igual diante de outra coisa.
Ele pode, sim, se apaixonar por uma mais ou menos. Mas se a paixão é por uma linda, as pernas não respondem, a saliva engrossa, o sangue afina. O homem tem um ferrão incandescente, um bastão em brasa que vai sapecando a mulher até secar a vida dela. Pode ser filho, irmão, pai, amante. Não é o sexo, é um ferrão psicológico. Nas belas, o ferrão pode se esfriar, pois nela, na beleza, há um antídoto que eu chamo de Bacia de Mercúrio.
Uma vez tendo o homem amornado o ferrão, a bonita se liberta. Já a feia não possui a Bacia de Mercúrio, mas um Pote de Maionese. O que de nada adianta. Em vez de amornar o ferrão, a maionese oxida, piorando as coisas.
- Ele é médico?, sussurrou Clotilde, gerente de vendas, para Rosária, do atendimento ao consumidor.
- Sei lá… mas onde fica essa Maionese?
Vi esta empresa nascer para botar ruge nas faces: ruge de pétalas nas belas, ruge de vergonha nas feias.
Francamente, não vamos deixar mulher alguma mais bonita. A mulher feia menstrua, a bonita floreia.
Feia escreve carta, bonita recebe.
Eu mesmo já gostei de uma feia, nem se compara.
Entendam, feias nascem, bonitas vêm à luz.
Não será um batom vermelho que aumentará a carne dos lábios a ponto de deixá-los reais. Eis o ponto: a beleza é a realidade.
As feias vão secando e as bonitas estão ameaçadas. Vejam, o sujeito atingido pela beleza - com medo inconsciente da Bacia de Mercúrio - se vê ameaçado e pode matar a bela.
Ele mata porque precisa dar fim ao que não entende. Pois se nem a bela possui a própria beleza, que dirá seu observador. Só o espelho a possui em sua prata. A humanidade lá fora que se lixe. Para nosso conforto, sobram as lindas que se deixam fotografar, eternizar-se na prata dos filmes. Notem, sempre a prata. A lua é prateada e por isso feminina, tão feminina que movimenta as águas aqui embaixo. Mexe a água intracraniana. Olhem o alcance.
- O que você está achando?
- Se, de novo, esse cara chamar a gente de feia, eu telefono pro Oswaldo.
Agora demonstrarei o que disse. Apaguem as luzes, por favor. Vejam este homem: os olhos dele, vêem as pupilas dilatadas? Nesse outro slide, num quadro maior, podemos ver para onde os olhos se dirigem: uma mulher bonita. Pupila dilatada só é possível tendo prazer, minha gente. O prazer está em tocar a miragem.
Eu disse que a beleza é a realidade. Pois bem, a miragem é a realidade do deserto. Quem aqui não andou pelo dorso de uma duna de areia quente? Andaram sim, pela idade de vocês, andaram sim. Em sonho, minhas senhoras. O sonho é a tal miragem do deserto.
Não tenho, antes que me peçam, a receita ou algum argumento que console as feias. Tenho apenas o aparelho sensitivo, esse que vocês também possuem: olhos, boca, ouvidos, tato e olfato, tudo para as maravilhas. Não concordo com a política correta que dá espaço para os defeitos. Isso nada tem a ver com machismo, tampouco neurose pessoal. Está embasado no comportamento inalterável do ser humano.
Os vossos companheiros não devem ser censurados no desejo pelo belo, esteja o belo em que face estiver. Nunca. Pode acontecer de, em vez de matar a bela, ele matar vocês que o impedem de dilatar as pupilas.
- Vou lá fora tomar um ar, sussurrou Rosária.
- Eu vou com você, seguiu Clotilde.
Vocês duas, esperem. Vou concluir, sentem-se.
Bonitas e feias estão perdidas. A bonita porque o sujeito tem medo da Bacia de Mercúrio; a feia, porque o Pote de Maionese azeda a vida dele.
A salvação das feias é estar perto da bela, amá-la como se ama um filho - quando digo isso, me arrepio todo.
A mulher bela é o ápice do amor. Homem que ama mulher feia é covarde, o pior deles. Homem em conformidade com o Alto se apressa no contato com o maior da Criação. Quando perde o medo da beleza, pode ele mesmo derrotar a Bacia de Mercúrio.
Sapecar a bela, isso sim o objetivo maior de um ferrão incandescente.
- Eu não fico aqui mais um minuto.
Olhem lá, um Pote de Maionese saindo da sala. Um a menos.
Se acham que vou explicar a fórmula dos novos cremes, isso não importa mais. Esta palestra nesse vale, neste final de semana que a empresa deu de presente, foi para fazê-las acreditarem mais em nossos produtos para, enfim, vendê-los melhor.
Sairão daqui informadas quanto à própria feiúra e mediocridade.
A beleza é meio, fim e recomeço.
Não vou enganá-las: fico sem forças ao ver mulheres tão feias juntas umas das outras. Fossem vocês lindas e brilhantes e eu mesmo seria, aqui e agora, senhor deste mundo.
Boa tarde a todas.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Muito bom!!!!!!!
Gostei bastante. Valeu Cinthya, sempre trazendo coisas interessantes pra nós! Orra, fazia tempo que não entrava no seu blog... desculpaê queridona.

Beijo.
Apareça.
Obs.: Parou com a ´fase´john fante??! Eu terminei pergunte ao pó e gostei bastante, valeu ´dinovu´. See ya.

1:20 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Hahahaha
Gostei!
Bacana esse lance da maionese!!!

Bjo!

1:26 PM  

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