Hoje estou um pouco sem tempo mas quero postar um texto da escritora Andrea del Fuego, que esteve ontem na Unipaulistana (onde estudo) , num bate-papo maravilhoso sobre literatura. Foi muito bom! Pra quem ainda não a conhece, este foi o primeiro que lí da autora.
AvonAndréa del Fuego
Meu nome é Agenor Sampaio, vou iniciar a palestra de forma clara e direta. Essa rede de cosméticos em que vocês todas trabalham como consultoras de beleza e que eu, muito satisfeito, presido, se fez existir por conta do que explanarei.
Gostaria que as senhoras do fundo ficassem em silêncio, obrigado. Abro os trabalhos dizendo que a mulher bonita é mais amada que a feia. Já viram um homem diante de uma bela fêmea? É a falência de toda defesa. Não irão vê-lo igual diante de outra coisa.
Ele pode, sim, se apaixonar por uma mais ou menos. Mas se a paixão é por uma linda, as pernas não respondem, a saliva engrossa, o sangue afina. O homem tem um ferrão incandescente, um bastão em brasa que vai sapecando a mulher até secar a vida dela. Pode ser filho, irmão, pai, amante. Não é o sexo, é um ferrão psicológico. Nas belas, o ferrão pode se esfriar, pois nela, na beleza, há um antídoto que eu chamo de Bacia de Mercúrio.
Uma vez tendo o homem amornado o ferrão, a bonita se liberta. Já a feia não possui a Bacia de Mercúrio, mas um Pote de Maionese. O que de nada adianta. Em vez de amornar o ferrão, a maionese oxida, piorando as coisas.
- Ele é médico?, sussurrou Clotilde, gerente de vendas, para Rosária, do atendimento ao consumidor.
- Sei lá… mas onde fica essa Maionese?
Vi esta empresa nascer para botar ruge nas faces: ruge de pétalas nas belas, ruge de vergonha nas feias.
Francamente, não vamos deixar mulher alguma mais bonita. A mulher feia menstrua, a bonita floreia.
Feia escreve carta, bonita recebe.
Eu mesmo já gostei de uma feia, nem se compara.
Entendam, feias nascem, bonitas vêm à luz.
Não será um batom vermelho que aumentará a carne dos lábios a ponto de deixá-los reais. Eis o ponto: a beleza é a realidade.
As feias vão secando e as bonitas estão ameaçadas. Vejam, o sujeito atingido pela beleza - com medo inconsciente da Bacia de Mercúrio - se vê ameaçado e pode matar a bela.
Ele mata porque precisa dar fim ao que não entende. Pois se nem a bela possui a própria beleza, que dirá seu observador. Só o espelho a possui em sua prata. A humanidade lá fora que se lixe. Para nosso conforto, sobram as lindas que se deixam fotografar, eternizar-se na prata dos filmes. Notem, sempre a prata. A lua é prateada e por isso feminina, tão feminina que movimenta as águas aqui embaixo. Mexe a água intracraniana. Olhem o alcance.
- O que você está achando?
- Se, de novo, esse cara chamar a gente de feia, eu telefono pro Oswaldo.
Agora demonstrarei o que disse. Apaguem as luzes, por favor. Vejam este homem: os olhos dele, vêem as pupilas dilatadas? Nesse outro slide, num quadro maior, podemos ver para onde os olhos se dirigem: uma mulher bonita. Pupila dilatada só é possível tendo prazer, minha gente. O prazer está em tocar a miragem.
Eu disse que a beleza é a realidade. Pois bem, a miragem é a realidade do deserto. Quem aqui não andou pelo dorso de uma duna de areia quente? Andaram sim, pela idade de vocês, andaram sim. Em sonho, minhas senhoras. O sonho é a tal miragem do deserto.
Não tenho, antes que me peçam, a receita ou algum argumento que console as feias. Tenho apenas o aparelho sensitivo, esse que vocês também possuem: olhos, boca, ouvidos, tato e olfato, tudo para as maravilhas. Não concordo com a política correta que dá espaço para os defeitos. Isso nada tem a ver com machismo, tampouco neurose pessoal. Está embasado no comportamento inalterável do ser humano.
Os vossos companheiros não devem ser censurados no desejo pelo belo, esteja o belo em que face estiver. Nunca. Pode acontecer de, em vez de matar a bela, ele matar vocês que o impedem de dilatar as pupilas.
- Vou lá fora tomar um ar, sussurrou Rosária.
- Eu vou com você, seguiu Clotilde.
Vocês duas, esperem. Vou concluir, sentem-se.
Bonitas e feias estão perdidas. A bonita porque o sujeito tem medo da Bacia de Mercúrio; a feia, porque o Pote de Maionese azeda a vida dele.
A salvação das feias é estar perto da bela, amá-la como se ama um filho - quando digo isso, me arrepio todo.
A mulher bela é o ápice do amor. Homem que ama mulher feia é covarde, o pior deles. Homem em conformidade com o Alto se apressa no contato com o maior da Criação. Quando perde o medo da beleza, pode ele mesmo derrotar a Bacia de Mercúrio.
Sapecar a bela, isso sim o objetivo maior de um ferrão incandescente.
- Eu não fico aqui mais um minuto.
Olhem lá, um Pote de Maionese saindo da sala. Um a menos.
Se acham que vou explicar a fórmula dos novos cremes, isso não importa mais. Esta palestra nesse vale, neste final de semana que a empresa deu de presente, foi para fazê-las acreditarem mais em nossos produtos para, enfim, vendê-los melhor.
Sairão daqui informadas quanto à própria feiúra e mediocridade.
A beleza é meio, fim e recomeço.
Não vou enganá-las: fico sem forças ao ver mulheres tão feias juntas umas das outras. Fossem vocês lindas e brilhantes e eu mesmo seria, aqui e agora, senhor deste mundo.
Boa tarde a todas.